domingo, 22 de setembro de 2013

Considerações sobre o socialismo



O comunismo, princípio de empobrecimento

7. Mas, além da injustiça do seu sistema, vêem-se bem todas as suas funestas consequências, a perturbação em todas as classes da sociedade, uma odiosa e insuportável servidão para todos os cidadãos, porta aberta a todas as invejas, a todos os descontentamentos, a todas as discórdias; o talento e a habilidade privados dos seus estímulos, e, como consequência necessária, as riquezas estancadas na sua fonte; enfim, em lugar dessa igualdade tão sonhada, a igualdade na nudez, na indigência e na miséria. Por tudo o que Nós acabamos de dizer, se compreende que a teoria socialista da propriedade colectiva deve absolutamente repudiar-se como prejudicial àqueles membros a que se quer socorrer, contrária aos direitos naturais dos indivíduos, como desnaturando as funções do Estado e perturbando a tranquilidade pública. Fique, pois, bem assente que o primeiro fundamento a estabelecer por todos aqueles que querem sinceramente o bem do povo é a inviolabilidade da propriedade particular. Expliquemos agora onde convém procurar o remédio tão desejado.

A solução socialista

3. Os Socialistas, para curar este mal, instigam nos pobres o ódio invejoso contra os que possuem, e pretendem que toda a propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens dum indivíduo qualquer devem ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para - os Municípios ou para o Estado. Mediante esta transladação das propriedades e esta igual repartição das riquezas e das comodidades que elas proporcionam entre os cidadãos, lisonjeiam-se de aplicar um remédio eficaz aos males presentes. Mas semelhante teoria, longe de ser capaz de pôr termo ao conflito, prejudicaria o operário se fosse posta em prática. Pelo contrário, é sumamente injusta, por violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifício social."

(Carta Encíclica Rerum Novarum)[1]

-----------------------------------------------------------------

"A atração das correntes socialistas

31. Há cristãos, hoje em dia, que se sentem atraídos pelas correntes socialistas e pelas suas diversas evoluções. Eles procuram descobrir aí um certo número de aspirações, que acalentam em si mesmos, em nome da sua fé. Em determinado momento têm a sensação de estar inseridos numa corrente histórica e querem realizar aí a sua ação.
Mas sucede que, conforme os continentes e as culturas, esta corrente histórica assume formas diversas, sob um mesmo vocábulo; contudo, tal corrente foi e continua a ser, em muitos casos, inspirada por ideologias incompatíveis com a fé cristã. Impõe-se, por conseguinte um discernimento atento. Muito freqüentemente, os cristãos atraídos pelo socialismo têm tendência para o idealizar, em termos muito genéricos, aliás: desejo de justiça, de solidariedade e de igualdade. Eles recusam-se a reconhecer as pressões dos movimentos históricos socialistas, que permanecem condicionados pelas suas ideologias de origem. Entre os diversos escalões de expressão do socialismo - uma aspiração generosa e uma procura diligente de uma sociedade mais justa, movimentos históricos que tenham uma organização e uma finalidade política, ou, ainda, uma ideologia que pretenda dar uma visão total e autônoma do homem - devem fazer-se distinções, que hão de servir para guiar opções concretas. No entanto, essas distinções não devem ir até ao extremismo de considerar esses diversos escalões de expressão do socialismo como completamente separados e independentes. A ligação concreta que, conforme as circunstâncias, existe entre eles, tem de ser lucidamente notada; e então, uma tal perspicácia permitirá aos cristãos estabelecer o grau de compromisso possível nessa causa, salvaguardados os valores, principalmente, de liberdade, de responsabilidade e de abertura ao espiritual, que garantam o desabrochamento integral do homem.

Evolução histórica do marxismo

32. Outros cristãos perguntam-se mesmo, se uma evolução histórica do marxismo não permitiria algumas aproximações concretas. Eles verificam que se deu, de fato, uma certa explosão do mesmo marxismo, o qual, até agora se apresentava como uma ideologia unitária, explicativa da totalidade do homem e do mundo no seu processo de desenvolvimento, e, portanto, atéia. Com efeito, para além do contraste ideológico que põe frente-a-frente, separando-os oficialmente entre si, os vários defensores do marxismo-leninismo, com a sua interpretação prospectiva do pensamento dos fundadores; para além das oposições abertas entre os sistemas políticos que atualmente derivam o nome desse mesmo pensamento: há alguns que estabelecem distinções entre os diversos escalões de expressão do marxismo.

33. Para uns, o marxismo continua a ser, essencialmente, uma prática ativa da luta de classes. Por isso mesmo que têm a experiência vivida da força sempre presente e a renascer sem cessar, daquelas relações de dominação e de exploração entre os homens, estes que assim encaram o marxismo reduzem-no freqüentemente a ser apenas a tal luta, por vezes sem nenhum outro objetivo; luta que é preciso prosseguir, e até mesmo suscitar, de modo permanente. Para outros, o marxismo será prevalentemente o exercício coletivo de um poder político e econômico, sob a direção do partido único, que intenta ser, ele somente, expressão e garantia do bem de todos, subtraindo aos indivíduos e aos outros grupos toda e qualquer possibilidade de iniciativa e de escolha. A um terceiro nível, o marxismo, quer esteja no poder, quer não, é algo que se relaciona com uma ideologia socialista, à base de materialismo histórico e de negação de tudo o que é transcendente.

Noutra perspectiva, finalmente, o marxismo apresenta-se sob uma forma mais atenuada e mais sedutora para o espírito moderno: como uma atividade científica, como um método rigoroso de exame da realidade social e política, ou ainda, como a ligação racional e experimentada pela história, entre o conhecimento teórico e a prática da transformação revolucionária. Se bem que este tipo de análise favoreça determinados aspectos da realidade, em detrimento dos outros, e os interprete em função da ideologia, ele proporciona entretanto a alguns, com um instrumento de trabalho, uma certeza preliminar para a ação: a pretensão de decifrar, sob um prisma científico, as molas reais da evolução da sociedade.

34. Se nesta gama do marxismo, tal como ele é vivido concretamente, se podem distinguir estes diversos aspectos e as questões que eles levantam aos cristãos para a reflexão e para a ação, seria ilusório e perigoso mesmo, chegar-se ao ponto de esquecer a ligação íntima que os une radicalmente, e de aceitar os elementos de análise marxista sem reconhecer as suas relações com a ideologia, e ainda, de entrar na prática da luta de classes e da sua interpretação marxista, esquecendo-se de atender ao tipo de sociedade totalitária e violenta, a que conduz este processo."

(Carta Apóstolica Octogesima Adveniens)[2]

-----------------------------------------------------------------

"O renascer das utopias

37. Nos nossos dias, aliás, as fraquezas das ideologias são melhor conhecidas através dos sistemas concretos, nos quais elas procuram passar à realização prática. Socialismo burocrático, capitalismo tecnocrático e democracia autoritária, manifestam a dificuldade para resolver o grande problema humano de viver juntamente com os outros, na justiça e na igualdade. Como poderiam eles, na verdade, evitar o materialismo, o egoísmo ou a violência que, fatalmente, os acompanham? Donde, uma contestação que começa a aparecer, mais ou menos por toda a parte, indício de um mal-estar profundo, ao mesmo tempo que se assiste ao renascer daquilo que se convencionou chamar as utopias. Estas pretendem resolver melhor do que as ideologias o problema político das sociedades modernas. Seria perigoso deixar de reconhecer que o apelo à utopia não passa muitas vezes de pretexto cômodo para quem quer esquivar as tarefas concretas e refugiar-se num mundo imaginário. Viver num futuro hipotético é um álibi fácil para poder alijar as responsabilidades imediatas. Entretanto, é necessário reconhecê-lo, esta forma de crítica da sociedade existente provoca muitas vezes a imaginação prospectiva para, ao mesmo tempo, perceber no presente o possível ignorado, que aí se acha inscrito, e para orientar no sentido de um futuro novo; ela apóia, deste modo, a dinâmica social pela confiança ela dá às forças inventivas do espírito e do coração humano; e, se não rejeita nenhuma abertura, ela pode encontrar também o apelo cristão.

Na verdade, o Espírito do Senhor, que anima o homem renovado em Cristo, altera sem cessar os horizontes onde a sua inteligência gostaria de encontrar segurança e onde de bom grado a sua ação se confinaria: uma força habita no mesmo homem que o convida a superar todos os sistemas e todas as ideologias. No coração do mundo permanece o mistério do próprio homem, o qual se descobre filho de Deus, no decurso de um processo histórico e psicológico em que lutam e se alternam violências e liberdade, peso do pecado e sopro do Espírito.

O dinamismo da fé cristã triunfa então dos cálculos mesquinhos do egoísmo. Animado pela virtude do Espírito de Jesus Cristo, Salvador dos homens, apoiado pela esperança, o cristão compromete-se na construção de uma cidade humana, pacífica, justa e fraterna, que possa ser uma oferenda agradável a Deus.(22) Efetivamente, "a expectativa de uma terra nova não deve enfraquecer, mas antes estimular em nós a solicitude em cultivar essa terra, onde cresce o corpo da nova família humana, que já consegue apresentar uma certa prefiguração do século vindouro" (23).

(Carta Apóstolica Octogesima Adveniens)[3]

-----------------------------------------------------------------

"Da «Rerum novarum» aos nossos dias

89 Em resposta à primeira grande questão social, Leão XIII promulga a primeira encíclica social, a «Rerum novarum»[143]. Ela examina a condição dos trabalhadores assalariados, particularmente penosa para os operários das indústrias, afligidos por uma indigna miséria. A questão operária é tratada segundo a sua real amplitude: é explorada em todas as suas articulações sociais e políticas, para ser adequadamente e avaliada à luz dos princípios doutrinais baseados na Revelação, na lei e na moral natural.

A «Rerum novarum» enumera os erros que provocam o mal social, exclui o socialismo como remédio e expõe, precisando-a e atualizando-a, «a doutrina católica acerca do trabalho, do direito de propriedade, do princípio de colaboração contraposto à luta de classe como meio fundamental para a mudança social, sobre o direito dos fracos, sobre a dignidade dos pobres e sobre as obrigações dos ricos, sobre o aperfeiçoamento da justiça mediante a caridade, sobre o direito a ter associações profissionais»[144].

A «Rerum novarum» tornou-se a «carta magna» da atividade cristã em campo social[145]. O tema central da doutrina social da Encíclica é o da instauração de uma ordem social justa, em vista do qual é mister individuar critérios de juízo que ajudem a avaliar os ordenamentos sócio-políticos existentes e formular linhas de ação para uma sua oportuna transformação.

90 A « Rerum novarum » enfrentou a questão operária com um método que se tornará «um paradigma permanente »[146] para o desenvolvimento da doutrina social. Os princípios afirmados por Leão XIII serão retomados e aprofundados pelas encíclicas sociais sucessivas. Toda a doutrina social poderia ser entendida como uma atualização, um aprofundamento e uma expansão do núcleo originário de princípios expostos na «Rerum novarum». Com este texto, corajoso e de longo alcance, o Papa Leão XIII «conferiu à Igreja quase um “estatuto de cidadania” no meio das variáveis realidades da vida pública»[147] e «escreveu esta palavra decisiva»[148], que se tornou «um elemento permanente da doutrina social da Igreja»[149], afirmando que os graves problemas sociais «só podiam ser resolvidos pela colaboração entre todas as forças intervenientes»[150] e acrescentando também: «Quanto à Igreja, não deixará de modo nenhum faltar a sua quota-parte»[151].

91 No início dos anos Trinta, em seguida à grave crise econômica de 1929, o Papa Pio XI publica a Encíclica «Quadragesimo anno» (1931)[152], comemorativa dos quarenta anos da «Rerum novarum». O Papa relê o passado à luz de uma situação econômico-social em que, à industrialização se ajuntara a expansão do poder dos grupos financeiros, em âmbito nacional e internacional. Era o período pós-bélico, em que se iam afirmando na Europa os regimes totalitários, enquanto se exacerbava a luta de classe. A encíclica adverte acerca da falta de respeito à liberdade de associação e reafirma os princípios de solidariedade e de colaboração para superar as antinomias sociais. As relações entre capital e trabalho devem dar-se sob o signo da colaboração[153].

A «Quadragesimo anno» reafirma o princípio segundo o qual o salário deve ser proporcionado não só às necessidades do trabalhador, mas também às de sua família. O Estado, nas relações com o setor privado, deve aplicar o princípio de subsidiariedade, princípio que se tornará um elemento permanente da doutrina social. A encíclica refuta o liberalismo entendido como concorrência ilimitada das forças econômicas, mas reconfirma o direito à propriedade privada, evocando-lhe a sua função social. Em uma sociedade por reconstruir desde as bases econômicas, que se torna ela mesma e toda inteira «a questão» a enfrentar, «Pio XI sentiu o dever e a responsabilidade de promover um maior conhecimento, uma mais exata interpretação e uma urgente aplicação da lei moral reguladora das relações humanas... para superar o conflito de classes e estabelecer uma nova ordem social baseada na justiça e na caridade»[154].

92 Pio XI não deixou de elevar a voz contra os regimes totalitários que durante o seu pontificado se afirmaram na Europa. Já no dia 29 de Junho de 1931 Pio XI havia protestado contra os abusos do regime totalitário fascista na Itália com a Encíclica «Non abbiamo bisogno»[155]. Em 1937 publicou a Encíclica «Mit brennender Sorge», sobre a situação da Igreja Católica no Reich Germânico (14 de Março de 1937)[156]. O texto da «Mit brennender Sorge» foi lido do púlpito em todas as Igrejas, depois de ter sido distribuído no máximo segredo. A encíclica aparecia após anos de abusos e de violências e fora expressamente pedida a Pio XI pelos bispos alemães, após as medidas cada vez mais coativas e repressivas tomadas pelo Reich em 1936, particularmente em relação aos jovens, obrigados a inscrever-se na «Juventude hitlerista». O Papa dirige-se diretamente aos sacerdotes e aos religiosos, aos fiéis leigos, para os incentivar e chamar à resistência, enquanto uma verdadeira paz entre a Igreja e o Estado não se restabelecesse. Em 1938, perante a difusão do anti-semitismo, Pio XI afirmou: «Somos espiritualmente semitas»[157].

Com a Carta encíclica «Divini Redemptoris», sobre o comunismo ateu e sobre a doutrina social cristã (19 de Março de 1937)[158], Pio XI criticou de modo sistemático o comunismo, definido como «intrinsecamente perverso»[159], e indicou como meios principais para pôr remédio aos males por ele produzidos, a renovação da vida cristã, o exercício da caridade evangélica, o cumprimento dos deveres de justiça no plano interpessoal e social, em vista do bem comum, a institucionalização de corpos profissionais e interprofissionais."

(Compêndio da Doutrina Social da Igreja Católica, 89-92) [4]

-----------------------------------------------------------------

[1] Carta Encíclica Rerum Novarum, Leão XIII - Vatican.va
[2] Carta Apostólica Octogesima Adveniens, Paulo VI - Vatican.va
[3] ibid.
[4] Compêndio da Doutrina Social da Igreja - Vatican.va

Nenhum comentário:

Postar um comentário